Sabemos como funcionam vezes de mais as autobiografias ou biografias “autorizadas” de músicos rock. Como uma longa justificação. Algo do género: “Durante anos disseram de mim isto e isto e isto” - sendo que aquilo e aquilo e aquilo são pormenores pouco consentâneos com o estatuto respeitável entretanto adquirido -, “mas a verdade não é essa”. Segue-se então a versão “limpinha” da história e o mundo fica mais sereno por descobrir que o senhor rebelde/adúltero/drogado/verme dado à “filha-da-putice” sempre foi, afinal, um primor de ser humano sem falha a apontar.
Em alternativa a esta lógica, faz-se da biografia uma catarse dos supostos erros do passado, acentuando que isso eram “coisas daquele tempo” ou “coisas da idade” ou “coisas que as pessoas com que me dava me levaram a fazer”. Daí traça-se o percurso que conduz ao momento presente: família feliz, senhor respeitado no bairro, adulado por toda a nação e frequentador da igreja/mesquita/sinagoga/centro de yoga local. Um aborrecimento, como se depreende.
Life, a autobiografia de Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, traduzida para português um ano depois da edição original, em 2010, tem sido justamente celebrada por todos os que tiveram o privilégio de a ler por ser precisamente o contrário. Keith Richards não só não tem nada a esconder (a drogaria, a filha-da-putice, o desdém pelas “morais mesquinhas” do bom gosto burguês), como tem um prazer imenso em contá-lo. Não o faz, entenda-se, por egocentrismo e fanfarronice, mas por ser um muito talentoso contador de histórias com uma memória prodigiosa, um humor desconcertante e uma sensibilidade que o calão desmesurado não indiciaria. Life é o corpo de Keith Richards. [...] Leia a crítica completa aqui.
Classificação: 5 estrelas
Mário Lopes, Ípsilon / Público, 16/12/11
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